Consultor em Dependência
Química há mais de 20 anos e presidente da Associação Gaúcha de Consultores em
Dependência Química, Luiz Carlos Alves Chaves, também coordena cursos de
capacitação na área de consultoria. A entrevista para esta edição do Boletim Eletrônico
Abead vai abordar a regulamentação e falta de visibilidade da profissão.
Como o senhor começou o trabalho de consultoria em dependência química?
Bom, primeiro preciso explicar que não sou doutor e não sou médico. Sou consultor em dependência química, que é, na realidade, uma profissão ainda não regulamentada no Brasil. Eu comecei em meados da década de 1980, por uma experiência pessoal que vivi e mudei completamente o rumo da minha área profissional. A minha formação era na área administrativa e trabalhava na função pública. Me interessei por trabalhar com dependência química e até hoje estou nessa área.
Como o consultor em dependência química não é uma profissão
regulamentada, temos um movimento entre as pessoas que já trabalham nessa
função para pleitear uma regulamentação. Até o presente momento isso ainda não
existe. Então, é um profissional que tem uma capacitação em nível técnico para
trabalhar com dependentes químicos. Estamos nessa fase assim, até que um dia a
gente consiga a regulamentação.
Dentro da equipe multidisciplinar, quais funções são desempenhadas pelo consultor?
O consultor é a pessoa que, dentro da equipe multidisciplinar,
fica mais próxima do paciente no caso da internação, seja breve ou longa. O
consultor passa o dia inteiro com o paciente. Ele recebe o paciente desde o
momento da internação, junto com a equipe de enfermagem, faz a admissão do
paciente na unidade e passa, desde então, a acompanhar a trajetória dele
durante o período de internação.
Ele faz o trabalho de abordagens individuais e o trabalho em grupo
com os pacientes. Claro que sempre conversando com os demais membros da equipe.
Para explicar melhor, é normal em uma área específica de dependentes químicos
que tenha a equipe de enfermagem e a equipe que atende os pacientes
diretamente.
Na maioria dos casos das internações, o paciente tem o seu médico
de preferência, que já o acompanha há muito tempo. E o consultor tem o contato
direto com o médico, tanto durante a internação, como no pós-alta, onde as
pessoas também podem fazer um trabalho de prevenção de recaída, que é o que
faço hoje em ambulatório.
O trabalho é de um grupo terapêutico, que utiliza técnicas da
terapia cognitivo-comportamental. E esses grupos não têm um tempo determinado,
um acompanhamento que normalmente o psiquiatra encaminha para o consultor,
quando ele entende que o paciente precisa de um acompanhamento pós-alta de
prevenção de recaída.
Uma coisa é o consultor dentro de uma unidade de internação
trabalhando diretamente com o paciente o dia inteiro. Outra coisa é o consultor
em nível ambulatorial trabalhando com pacientes uma vez por semana, tanto
individual quanto em grupo. Em ambos os tratamentos, o trabalho é direto como o
paciente e, em alguns casos, também com a família, quando, no entendimento do
médico e da equipe técnica, há uma necessidade de conversar para transmitir
informações que muitas famílias ainda não sabem, numa tentativa de derrubar
alguns mecanismos de defesa que elas têm. Não é só o paciente que tem esses
mecanismos, as famílias também têm. Às vezes a família tem mais dificuldades
que o próprio paciente. Então, o consultor também pode atuar nessa área.
No momento atual, por exemplo, eu trabalho em uma instituição que
atende familiares, na qual tem o atendimento ambulatorial com as famílias com
dependência química e com o próprio paciente, em ambulatório. Claro que esse
trabalho é sempre de parceria muito direta com os psiquiatras e os demais
membros da equipe.
Na rede pública de saúde e em lugares mais afastados dos grandes centros já existe essa atuação do consultor?
Infelizmente, nas instituições publicas e até na iniciativa
privada existe o espaço para o consultor trabalhar exatamente na área da
prevenção e, por questões políticas e econômicas, ainda não existe a atuação desse
profissional. Outros técnicos trabalham nessa área, algumas empresas têm lá seu
espaço no setor de Recursos Humanos, no setor de saúde das empresas públicas e
privadas tem a equipe multidisciplinar, mas não tem a figura do consultor. Tem
outras pessoas fazendo o trabalho que seria do consultor, desde a abordagem
para ver se realmente a pessoa que está apresentando algum problema é em
consequência ou não do uso de alguma substância e qual o encaminhamento a ser
dado. Esse seria o trabalho do consultor em dependência química que, no
momento, é executado por outros profissionais. Não discordo disso, mas é um
espaço que poderia ser melhor utilizado pelo profissional certo: o consultor em
dependência química, que ainda é desconhecido.
Muitos profissionais na área não têm conhecimento do trabalho do
consultor e a gente está tentando buscar esse espaço. Em 1997, nós criamos a
Associação Gaúcha de Consultoria em Dependência Química, que tem como objetivo
principal estudar e buscar o aperfeiçoamento e o conhecimento e também
possibilidade de regulamentar como uma profissão técnica, como as demais.
A não participação de consultores dentro das equipes nas empresas públicas, por exemplo, acontece pela falta de regulamentação?
Falta de regulamentação e divulgação desse profissional, que ainda
está em uma fase muito primitiva. Os profissionais ficam um pouco acomodados,
pois conseguem um emprego em uma instituição hospitalar ou em um ambulatório e
fica por isso mesmo. Nós precisaríamos mudar esse pensamento e temos que
divulgar mais o trabalho, até para que os órgãos públicos e privados tenham
conhecimento de que esses profissionais existem. Eu coordenado o Centro de
Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI), que tem cursos de capacitação dentro
dessa área de consultoria, para capacitar o maior número de pessoas a trabalhar
nesta área.
Como anda a profissão do consultor em dependência química em outros países?
O que eu tenho conhecimento é nos Estados Unidos, que a profissão é regulamentada e já existe em alguns estados a consagração desse profissional. Tem uma formação de grau universitário, que é chamado de conselheiro. Em alguns estados brasileiros, existe a figura deste profissional, que não está sendo muito valorizado ou os próprios profissionais não estão se valorizando, buscando o seu espaço. Essa é, talvez, a maior dificuldade. Essa é a ideia que eu tenho em buscar algumas condições de divulgar e apresentar o trabalho do consultor. Ele já foi apresentado, há alguns anos, em um congresso em Florianópolis, de uma maneira mais ampla. Mas isso só não é possível. Temos que mostrar nosso trabalho e melhorar a capacitação dos profissionais, que é o que nós estamos fazendo no CEFI, com os cursos que promovemos para, justamente, melhorar o conhecimento destas pessoas.